quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

FELIZ NATAL

sábado, 18 de dezembro de 2010

Trailer A terceira Margem do Rio

Feliz Natal

Vídeo trecho do filme Capitu ( 1968 )

Vídeo extraído do YOUTUBE, acesso em 18/Dez/2010, filme de Paulo Cesar Saraceni, baseado na Obra Dom Casmurro de Machado de Assis.

Vidas secas: vídeo do trecho " Morte da Baleia"

Vídeo extraído do YOUTUBE, acesso em 18/dez/2010. Filme de Nelson Pereira dos Santos (1963) baseado na obra de Graciliano Ramos, Vidas secas.

domingo, 12 de dezembro de 2010

O velho da primeira avenida


Aconteceu na esquina da 1st Avenue, no centro de Miami, Flórida (EUA).
Cheguei no horário agendado para a reunião com o representante de uma
companhia exportadora de perfumes, mas ele se atrasou e eu decidi esperá-lo na
porta de entrada da empresa. Encostado a uma pilastra, eu observava o vaivém
dos pedestres.
- Es la única esperanza – ouvi de um homem perto dos 90 anos que trazia um
folheto na mão. Era mais um desses pregadores religiosos de conversa maçante e
interesseira. Desviei o olhar e fui tratando de desestimular o diálogo com um
leviano “não entendo espanhol, senhor”, mesmo sabendo que a reunião pela qual
eu aguardava se desenrolaria em portunhol. O velho não se abalou diante da
minha impaciência e continuou pregando:
- Habrá uma gran desgracia si los ricos y poderosos no despertaren para el
mundo. Una terrible escasez de alimentos tornará el convivio entre los hombres
insoportable.
A força das suas palavras me encorajou a fitá-lo.Senti um sobressalto ao
constatar quanto sua fisionomia me era familiar. Os olhos cinza-amarelos tinham
tênues traços orientais e as sobrancelhas grossas me surpreendiam pelas penugens
negras realçadas pelos cabelos brancos. Apesar da espantosa semelhança, o nariz
reto e ligeiramente arrebitado era diferente. Sua fisionomia me agradava e, por
isso, passei a conversar com ele. Meio sem assunto, perguntei-lhe se conhecia a
Igreja Universal do Reino de Deus, fundada no Brasil. Respondeu-me que não,
não se interessava por novas seitas que surgiam às pencas, pois a maioria eram
igrejas do diabo. E sem me olhar nem dizer adeus, continuou seu caminho.
A semelhança com meu pai se evidenciou ainda mais quando o vi de costas, o
corpo franzino curvado pela idade. Fiquei estático e eletrizado. Um “buenos dias”
despertou-me do torpor. Era o representante comercial que eu aguardava me
convidando para entrar. Não me concentrei na reunião, pois aquela imagem
tomou conta da minha mente.
Saí do encontro desconcertado. Era uma fixação sem sentido – afinal, pessoas
parecidas existem em todo canto do mundo. Resolvi antecipar o almoço. Na
cantina habitual, o sorriso da funcionária não afastou meu desconforto. De
repente, desabei num choro convulsivo, desencadeado pelas lembranças do meu
velho, do meu amigo, do meu pai. Mudei de posição na mesa para que a
garçonete não percebesse o meu estado. Eu não me reconhecia. Onde estava o
homem seco e contido que nunca chorava?
No dia seguinte voltei à mesma esquina, na esperança de reencontrar o velho
homem. Nada. Chorei mais vezes ao longo daquela semana: no hotel, no avião,
ao chegar em casa. Afinal, quem era aquele homem de palavras fortes? Por que
surgira e sumira daquela forma? Não encontrei respostas, mas entendi o valor da
sua ajuda. Sua missão era me abrir. Ele viera para me permitir soltar as lágrimas
que eu vinha contendo desde o derradeiro encontro com meu legítimo e inimitável 
velho. Eu consegui.

Aristóteles Sampaio Carvalho

Vídeo "eu estava ali deitado" Luiz Vilela




publicado em http://www.youtube.com/watch?v=Qv0f1H7DnTA&feature=player_embedded

Eu estava ali deitado

eu estava ali deitado olhando através da vidraça as roseiras no jardim, fustigadas pelo vento que zunia lá fora e nas venezianas do meu quarto e de repente cessava e tudo ficava tão quieto tão triste e de repente recomeçava e as roseiras frágeis e assustadas irrompiam na vidraça e eu estava ali o tempo todo  olhando estava em minha cama com a minha blusa de lã as mãos enfiadas nos bolsos os braços colados ao corpo as pernas juntas estava de sapatos Mamãe não gostava que eu deitasse de sapatos deixe de preguiça menino! mas dessa vez eu estava deitado de sapatos e ela viu e não falou nada ela sentou-se na beirada da cama e pousou a mão em meu joelho  e falou você não quer mesmo almoçar?
eu falei que não não quer comer nada? eu falei que não nem uma carninha assada daquelas que você gosta? com uma cebolinha de folha lá da horta um limãozinho uma pimentinha? ela sorriu e deu uma palmadinha no meu joelho e eu também sorri mas falei que não não estava com a menor fome nem uma coisinha meu filho? uma coisinha só? eu falei que não e então ela ficou me olhando e então ela saiu do quarto eu estava de sapatos e ela não falou nada ela não falaria nada meus sapatos engraxados bonitos brilhantes
ele não quer comer nada? escutei papai perguntando e mamãe decerto só balançou a cabeça porque não escutei ela responder e agora eles estavam comendo em silêncio os dois sozinhos lá na mesa em silêncio o barulho dos garfos a casa quieta e fria e triste o vento zunindo lá fora e nas venezianas de meu quarto.

- você precisa compreender isso, Carlos
- não posso, Miriam
- não daria certo
- não daria certo?
- nossos temperamentos não combinam
- não é verdade
- assim será melhor para nós dois
não Miriam não é verdade Miriam não é certo Miriam não pode Miriam não pode não pode! ó meu Deus não pode

Papai estava parado à porta pensei que você estava dormindo ele falou eu sorri que vento hem! ele falou e eu olhei para a vidraça e lá estavam as roseiras frágeis e assustadas, fustigadas pelo vento esse mês de junho é terrível ele falou ele estava parado no meio do quarto estava de paletó e gravata de pulôver esfregava as mãos eu vou lá no Jorge você não quer ir também? ele ficou olhando pra mim esperando não papai dar uma volta? não obrigado você vai virar sorvete aí dentro ele brincou e eu ri e ele riu e então ficou sério de novo esfregava as mãos fiquei com pena dele eu sabia que ele queria me dizer alguma coisa sabia quase o que ele queria me dizer mamãe devia ter dito a ele Artur chama o Carlos para dar uma volta e ele dissera isso mas agora era diferente era ele mesmo que queria me dizer alguma coisa e estava atrapalhado ficava atrapalhado quando queria conversar essas coisas com um filho e então esfregava as mãos não era por causa do frio Carlos eu sei o que você está sentindo ele falou Eu sei como é é muito aborrecido mesmo mas há coisas piores sabe? eu olhei para ele e então ele abaixou a cabeça e de novo estava atrapalhado e de novo eu fiquei com pena dele eu sei que você gosta muito dela eu sei eu sei que isso é muito aborrecido mas ele olhou pra mim não se preocupe papai eu falei não precisa se preocupar não é nada eu sei mas você não almoçou eu estava sem fome pois é e então nós dois ficamos calados ele tirou o relógio do bolso e olhou as horas você não quer ir mesmo no Jorge? ele perguntou e eu falei que não então ele saiu do quarto escutei ele abrindo o portão e depois os passos dele na calçada o vento zunia lá fora eu estava olhando para os meus sapatos ela gostava deles assim engraxados bonitos brilhantes você é tão cuidadoso Carlos como gosto de você você não pode calcular o tanto que eu gosto de você se te acontecesse alguma coisa se te acontecesse alguma coisa eu não sei o que eu faria mas não vai acontecer nada bem vai? não não vai não pode se te acontecesse alguma coisa acho que eu morreria eu gosto demais de você demais demais
fechei os olhos e contei até quinhentos e recordei os nomes de todas as capitais do Brasil e da Europa e recordei os nomes das dezenas de rios e dezenas de montanhas e deitei de bruços e deitei do lado direito  deitei do lado esquerdo e deitei de bruços outra vez e pus o travesseiro em cima da cabeça e pus o travesseiro de baixo da cabeça e apertei a cabeça contra a parede e apertei mais ainda a cabeça contra a parede que ela doeu e então virei de costas outra vez e enfiei as mãos nos bolsos colei os braços ao corpo juntei as pernas abri os olhos e estava de novo olhando através da vidraça as roseiras frágeis e assustadas fustigadas pelo vento que zunia lá fora e nas venezianas de meu quarto

LUIZ VILELA

( De no bar. Rio, Bloch, 1968.)