sábado, 28 de setembro de 2013
curta-metragem Missa do Galo - Machado de Assis
Missa do Galo - Machado de Assis
MISSA DO GALO
Nunca pude entender a conversação que tive com uma senhora, há muitos anos, contava eu dezessete, ela trinta. Era noite de Natal. Havendo ajustado com um vizinho irmos à missa do galo, preferi não dormir; combinei que eu iria acordá-lo à meia-noite.
A casa em que eu estava hospedado era a do escrivão Meneses, que fora casado, em primeiras núpcias, com uma de minhas primas. A segunda mulher, Conceição, e a mãe desta acolheram-me bem, quando vim de Mangaratiba para o Rio de Janeiro, meses antes, a estudar preparatórios. Vivia tranqüilo, naquela casa assobradada da rua do Senado, com os meus livros, poucas relações, alguns passeios. A família era pequena, o escrivão, a mulher, a sogra e duas escravas. Costumes velhos. Às dez horas da noite toda a gente estava nos quartos; às dez e meia a casa dormia. Nunca tinha ido ao teatro, e mais de uma vez, ouvindo dizer ao Meneses que ia ao teatro, pedi-lhe que me levasse consigo. Nessas ocasiões, a sogra fazia uma careta, e as escravas riam à socapa; ele não respondia, vestia-se, saía e só tornava na manhã seguinte. Mais tarde é que eu soube que o teatro era um eufemismo em ação. Meneses trazia amores com uma senhora, separada do marido, e dormia fora de casa uma vez por semana. Conceição padecera, a princípio, com a existência da comborça; mas, afinal, resignara-se, acostumara-se, e acabou achando que era muito direito.
Boa Conceição! Chamavam-lhe "a santa", e fazia jus ao título, tão facilmente suportava os esquecimentos do marido. Em verdade, era um temperamento moderado, sem extremos, nem grandes lágrimas, nem grandes risos. No capítulo de que trato, dava para maometana; aceitaria um harém, com as aparências salvas. Deus me perdoe, se a julgo mal. Tudo nela era atenuado e passivo. O próprio rosto era mediano, nem bonito nem feio. Era o que chamamos uma pessoa simpática. Não dizia mal de ninguém, perdoava tudo. Não sabia odiar; pode ser até que não soubesse amar.
Naquela noite de Natal foi o escrivão ao teatro. Era pelos anos de 1861 ou 1862. Eu já devia estar em Mangaratiba, em férias; mas fiquei até o Natal para ver "a missa do galo na Corte". A família recolheu-se à hora do costume; eu meti-me na sala da frente, vestido e pronto. Dali passaria ao corredor da entrada e sairia sem acordar ninguém. Tinha três chaves a porta; uma estava com o escrivão, eu levaria outra, a terceira ficava em casa.
- Mas, Sr. Nogueira, que fará você todo esse tempo? perguntou-me a mãe de Conceição.
- Leio, D. Inácia.
Tinha comigo um romance, os Três Mosqueteiros, velha tradução creio do Jornal do Comércio. Sentei-me à mesa que havia no centro da sala, e à luz de um candeeiro de querosene, enquanto a casa dormia, trepei ainda uma vez ao cavalo magro de D’Artagnan e fui-me às aventuras. Dentro em pouco estava completamente ébrio de Dumas. Os minutos voavam, ao contrário do que costumam fazer, quando são de espera; ouvi bater onze horas, mas quase sem dar por elas, um acaso. Entretanto, um pequeno rumor que ouvi dentro veio acordar-me da leitura. Eram uns passos no corredor que ia da sala de visitas à de jantar; levantei a cabeça; logo depois vi assomar à porta da sala o vulto de Conceição.
- Ainda não foi? Perguntou ela.
- Não fui; parece que ainda não é meia-noite.
- Que paciência!
Conceição entrou na sala, arrastando as chinelinhas da a1cova. Vestia um roupão branco, mal apanhado na cintura. Sendo magra, tinha um ar de visão romântica, não disparatada com o meu livro de aventuras. Fechei o livro; ela foi sentar-se na cadeira que ficava defronte de mim, perto do canapé. Como eu lhe perguntasse se a havia acordado, sem querer, fazendo barulho, respondeu com presteza:
- Não! qual! Acordei por acordar.
Fitei-a um pouco e duvidei da afirmativa. Os olhos não eram de pessoa que acabasse de dormir; pareciam não ter ainda pegado no sono. Essa observação, porém, que valeria alguma coisa em outro espírito, depressa a botei fora, sem advertir que talvez não dormisse justamente por minha causa, e mentisse para me não afligir ou aborrecer. Já disse que ela era boa, muito boa.
- Mas a hora já há de estar próxima, disse eu.
- Que paciência a sua de esperar acordado, enquanto o vizinho dorme! E esperar sozinho! Não tem medo de almas do outro mundo? Eu cuidei que se assustasse quando me viu.
- Quando ouvi os passos estranhei; mas a senhora apareceu logo.
- Que é que estava lendo? Não diga, já sei, é o romance dos Mosqueteiros.
- Justamente: é muito bonito.
- Gosta de romances?
- Gosto.
- Já leu a Moreninha?
- Do Dr. Macedo? Tenho lá em Mangaratiba.
- Eu gosto muito de romances, mas leio pouco, por falta de tempo. Que romances é que você tem lido?
Comecei a dizer-lhe os nomes de alguns. Conceição ouvia-me com a cabeça reclinada no espaldar, enfiando os olhos por entre as pálpebras meio-cerradas, sem os tirar de mim. De vez em quando passava a língua pelos beiços, para umedecê-los. Quando acabei de falar, não me disse nada; ficamos assim alguns segundos. Em seguida, vi-a endireitar a cabeça, cruzar os dedos e sobre eles pousar o queixo, tendo os cotovelos nos braços da cadeira, tudo sem desviar de mim os grandes olhos espertos.
- Talvez esteja aborrecida, pensei eu.
E logo alto:
- D. Conceição, creio que vão sendo horas, e eu...
- Não, não, ainda é cedo. Vi agora mesmo o relógio; são onze e meia. Tem tempo. Você, perdendo a noite, é capaz de não dormir de dia?
- Já tenho feito isso.
- Eu, não; perdendo uma noite, no outro dia estou que não posso, e, meia hora que seja, hei de passar pelo sono. Mas também estou ficando velha.
- Que velha o quê, D. Conceição?
Tal foi o calor da minha palavra que a fez sorrir. De costume tinha os gestos demorados e as atitudes tranqüilas; agora, porém, ergueu-se rapidamente, passou para o outro lado da sala e deu alguns passos, entre a janela da rua e a porta do gabinete do marido. Assim, com o desalinho honesto que trazia, dava-me uma impressão singular. Magra embora, tinha não sei que balanço no andar, como quem lhe custa levar o corpo; essa feição nunca me pareceu tão distinta como naquela noite. Parava algumas vezes, examinando um trecho de cortina ou consertando a posição de algum objeto no aparador; afinal deteve-se, ante mim, com a mesa de permeio. Estreito era o círculo das suas idéias; tornou ao espanto de me ver esperar acordado; eu repeti-lhe o que ela sabia, isto é, que nunca ouvira missa do galo na Corte, e não queria perdê-la.
- É a mesma missa da roça; todas as missas se parecem.
- Acredito; mas aqui há de haver mais luxo e mais gente também. Olhe, a semana santa na Corte é mais bonita que na roça. São João não digo, nem Santo Antônio...
Pouco a pouco, tinha-se inclinado; fincara os cotovelos no mármore da mesa e metera o rosto entre as mãos espalmadas. Não estando abotoadas, as mangas, caíram naturalmente, e eu vi-lhe metade dos braços, muitos claros, e menos magros do que se poderiam supor. A vista não era nova para mim, posto também não fosse comum; naquele momento, porém, a impressão que tive foi grande. As veias eram tão azuis, que apesar da pouca claridade, podia contá-las do meu lugar. A presença de Conceição espertara-me ainda mais que o livro. Continuei a dizer o que pensava das festas da roça e da cidade, e de outras coisas que me iam vindo à boca. Falava emendando os assuntos, sem saber por quê, variando deles ou tornando aos primeiros, e rindo para fazê-la sorrir e ver-lhe os dentes que luziam de brancos, todos iguaizinhos. Os olhos dela não eram bem negros, mas escuros; o nariz, seco e longo, um tantinho curvo, dava-lhe ao rosto um ar interrogativo. Quando eu alteava um pouco a voz, ela reprimia-me:
- Mais baixo! Mamãe pode acordar.
E não saía daquela posição, que me enchia de gosto, tão perto ficavam as nossas caras. Realmente, não era preciso falar alto para ser ouvido; cochichávamos os dois, eu mais que ela, porque falava mais; ela, às vezes, ficava séria, muito séria, com a testa um pouco franzida. Afinal, cansou; trocou de atitude e de lugar. Deu volta à mesa e veio sentar-se do meu lado, no canapé. Voltei-me, e pude ver, a furto, o bico das chinelas; mas foi só o tempo que ela gastou em sentar-se, o roupão era comprido e cobriu-as logo. Recordo-me que eram pretas. Conceição disse baixinho:
- Mamãe está longe, mas tem o sono muito leve; se acordasse agora, coitada, tão cedo não pegava no sono.
- Eu também sou assim.
- O quê? Perguntou ela inclinando o corpo para ouvir melhor.
Fui sentar-me na cadeira que ficava ao lado do canapé e repeti a palavra. Riu-se da coincidência; também ela tinha o sono leve; éramos três sonos leves.
- Há ocasiões em que sou como mamãe: acordando, custa-me dormir outra vez, rolo na cama, à toa, levanto-me, acendo vela, passeio, torno a deitar-me, e nada.
- Foi o que lhe aconteceu hoje.
- Não, não, atalhou ela.
Não entendi a negativa; ela pode ser que também não a entendesse. Pegou das pontas do cinto e bateu com elas sobre os joelhos, isto é, o joelho direito, porque acabava de cruzar as pernas. Depois referiu uma história de sonhos, e afirmou-me que só tivera um pesadelo, em criança. Quis saber se eu os tinha. A conversa reatou-se assim lentamente, longamente, sem que eu desse pela hora nem pela missa. Quando eu acabava uma narração ou uma explicação, ela inventava outra pergunta ou outra matéria, e eu pegava novamente na palavra. De quando em quando, reprimia-me:
- Mais baixo, mais baixo...
Havia também umas pausas. Duas outras vezes, pareceu-me que a via dormir; mas os olhos, cerrados por um instante, abriam-se logo sem sono nem fadiga, como se ela os houvesse fechado para ver melhor. Uma dessas vezes creio que deu por mim embebido na sua pessoa, e lembra-me que os tornou a fechar, não sei se apressada ou vagarosamente. Há impressões dessa noite, que me aparecem truncadas ou confusas. Contradigo-me, atrapalho-me. Uma das que ainda tenho frescas é que, em certa ocasião, ela, que era apenas simpática, ficou linda, ficou lindíssima. Estava de pé, os braços cruzados; eu, em respeito a ela, quis levantar-me; não consentiu, pôs uma das mãos no meu ombro, e obrigou-me a estar sentado. Cuidei que ia dizer alguma coisa; mas estremeceu, como se tivesse um arrepio de frio, voltou as costas e foi sentar-se na cadeira, onde me achara lendo. Dali relanceou a vista pelo espelho, que ficava por cima do canapé, falou de duas gravuras que pendiam da parede.
- Estes quadros estão ficando velhos. Já pedi a Chiquinho para comprar outros.
Chiquinho era o marido. Os quadros falavam do principal negócio deste homem. Um representava "Cleópatra"; não me recordo o assunto do outro, mas eram mulheres. Vulgares ambos; naquele tempo não me pareciam feios.
- São bonitos, disse eu.
- Bonitos são; mas estão manchados. E depois francamente, eu preferia duas imagens, duas santas. Estas são mais próprias para sala de rapaz ou de barbeiro.
- De barbeiro? A senhora nunca foi a casa de barbeiro.
- Mas imagino que os fregueses, enquanto esperam, falam de moças e namoros, e naturalmente o dono da casa alegra a vista deles com figuras bonitas. Em casa de família é que não acho próprio. É o que eu penso; mas eu penso muita coisa assim esquisita. Seja o que for, não gosto dos quadros. Eu tenho uma Nossa Senhora da Conceição, minha madrinha, muito bonita; mas é de escultura, não se pode pôr na parede, nem eu quero. Está no meu oratório.
A idéia do oratório trouxe-me a da missa, lembrou-me que podia ser tarde e quis dizê-lo. Penso que cheguei a abrir a boca, mas logo a fechei para ouvir o que ela contava, com doçura, com graça, com tal moleza que trazia preguiça à minha alma e fazia esquecer a missa e a igreja. Falava das suas devoções de menina e moça. Em seguida referia umas anedotas de baile, uns casos de passeio, reminiscências de Paquetá, tudo de mistura, quase sem interrupção. Quando cansou do passado, falou do presente, dos negócios da casa, das canseiras de família, que lhe diziam ser muitas, antes de casar, mas não eram nada. Não me contou, mas eu sabia que casara aos vinte e sete anos.
Já agora não trocava de lugar, como a princípio, e quase não saíra da mesma atitude. Não tinha os grandes olhos compridos, e entrou a olhar à toa para as paredes.
- Precisamos mudar o papel da sala, disse daí a pouco, como se falasse consigo.
Concordei, para dizer alguma coisa, para sair da espécie de sono magnético, ou o que quer que era que me tolhia a língua e os sentidos. Queria e não queria acabar a conversação; fazia esforço para arredar os olhos dela, e arredava-os por um sentimento de respeito; mas a idéia de parecer que era aborrecimento, quando não era, levava-me os olhos outra vez para Conceição. A conversa ia morrendo. Na rua, o silêncio era completo.
Chegamos a ficar por algum tempo, - não posso dizer quanto, - inteiramente calados. O rumor único e escasso, era um roer de camundongo no gabinete, que me acordou daquela espécie de sonolência; quis falar dele, mas não achei modo. Conceição parecia estar devaneando. Subitamente, ouvi uma pancada na janela, do lado de fora, e uma voz que bradava: "Missa do galo! missa do galo!"
- Aí está o companheiro, disse ela levantando-se. Tem graça; você é que ficou de ir acordá-lo, ele é que vem acordar você. Vá, que hão de ser horas; adeus.
- Já serão horas? perguntei.
- Naturalmente.
- Missa do galo! repetiram de fora, batendo.
-Vá, vá, não se faça esperar. A culpa foi minha. Adeus; até amanhã.
E com o mesmo balanço do corpo, Conceição enfiou pelo corredor dentro, pisando mansinho. Saí à rua e achei o vizinho que esperava. Guiamos dali para a igreja. Durante a missa, a figura de Conceição interpôs-se mais de uma vez, entre mim e o padre; fique isto à conta dos meus dezessete anos. Na manhã seguinte, ao almoço, falei da missa do galo e da gente que estava na igreja sem excitar a curiosidade de Conceição. Durante o dia, achei-a como sempre, natural, benigna, sem nada que fizesse lembrar a conversação da véspera. Pelo Ano-Bom fui para Mangaratiba. Quando tornei ao Rio de Janeiro, em março, o escrivão tinha morrido de apoplexia. Conceição morava no Engenho Novo, mas nem a visitei nem a encontrei. Ouvi mais tarde que casara com o escrevente juramentado do marido.
Fonte: Contos Consagrados - Machado de Assis - Coleção Pretígio - Ediouro - s/d.
Situação didática conto “Missa do Galo”
Série a que se destina: 9º ano
Tempo de Duração: 8 ( oito) aulas
Objetivos da aula: Promover o contato com o gênero conto de
maneira diacrônica, compreender os aspectos linguísticos, verossimilhança da
época de produção por meios das personagens, do ambiente, dos costumes.
Confrontar as impressões temporais com as relações humanas num mundo
contemporâneo.
Habilidade a ser desenvolvida: Construir o conhecimento
linguístico e sociocultural, compreender as relações humanas num mundo
contemporâneo.
1ª aula : Levantamento prévio :
O que significa Missa do galo?
Pesquisa em grupo e discussão oral das observações colhidas:
Faça uma pesquisa sobre a historicidade da Missa do Galo.
2ª aula: discussão sobre a pesquisa:
De acordo com o título, qual é a impressão sobre o tema
principal do conto que iremos ler.
3ª aula e 4ª aula: Leitura compartilhada:
Após a leitura, a primeira impressão acerca do título
correspondeu com a leitura e com o desfecho do conto?
Faça um levantamento de palavras ou expressões que tenham
dificuldade de entendimento.
Discuta com a classe as palavras pesquisadas e os
significados.
Monte um quadro com os levantamentos de vocabulário.
5 aulaª e 6 ª aula: Oralidade:
Conhecem as histórias de algumas das narrativas ( Os três
mosqueteiros ou A Moreninha) ? Contem brevemente pontos marcantes das narrativas conhecidas.
Interpretação Textual
Qual o foco narrativo? Quem é o protagonista?
Quais são os elementos linguísticos temporais constantes no
texto? Cite-os.
É possível notar que o conto narrado ainda irá ocorrer? De
que maneira ocorre a ambiguidade temporal no texto e qual a possível intenção
do narrador.
Qual a diferença física e psicológica entre as personagens
Sr. Nogueira e Conceição.
Qual a impressão que tiveram sobre a relação entre as
personagens Nogueira e Conceição.
Qual a opinião sobre o relacionamento matrimonial de
Conceição. Na atualidade, seria possível a mulher apresentar o mesmo
comportamento da personagem do conto? Por quê?
Discussão das impressões textuais de maneira compartilhada:
7ª aula: Avaliação:
Após a leitura, faça uma reescrita do conto na visão da
personagem Conceição.
8ª aula: Leitura dos textos redigidos.
Meu primeiro beijo - Antônio Barreto
Quantidade de aulas: 6 aulas
Objetivos da aula:
Promover o reconhecimento e o sentido da pontuação como forma de tessitura
textual, verificar as relações de sentido que atribuem ao texto, bem como a
intencionalidade do autor e o efeito leitor. Observar o público alvo.
Habilidade a ser desenvolvida: Construir o conhecimento
linguístico e reconhecer o sentido das pontuações como mecanismo coesivo e que
atribuem aspectos de coerência textual.
Meu Primeiro Beijo
Antônio Barreto
É difícil acreditar, mas meu primeiro
beijo foi num ônibus, na volta da escola. E sabem com quem? Com o Cultura
Inútil! Pode? Até que foi legal. Nem eu nem ele sabíamos exatamente o que era
"o beijo". Só de filme. Estávamos virgens nesse assunto, e morrendo
de medo. Mas aprendemos. E foi assim...
Não sei se numa aula de Biologia ou
de Química, o Culta tinha me mandado um dos seus milhares de bilhetinhos:
" Você é a glicose do meu
metabolismo.
Te amo muito!
Paracelso"
E assinou com uma letrinha miúda:
Paracelso. Paracelso era outro apelido dele. Assinou com letrinha tão minúscula
que quase tive dó, tive pena, instinto maternal, coisas de mulher...E também
não sei por que: resolvi dar uma chance pra ele, mesmo sem saber que tipo de
lance ia rolar.
No dia seguinte, depois do inglês,
pediu pra me acompanhar até em casa. No ônibus, veio com o seguinte papo:
- Um beijo pode deixar a gente
exausto, sabia? - Fiz cara de desentendida.
Mas ele continuou:
- Dependendo do beijo, a gente põe em
ação 29 músculos, consome cerca de 12 calorias e acelera o coração de 70 para
150 batidas por minuto. - Aí ele tomou coragem e pegou na minha mão. Mas
continuou salivando seus perdigotos:
- A gente também gasta, na saliva,
nada menos que 9 mg de água; 0,7 mg de albumina; 0,18 g de substâncias
orgânica; 0,711 mg de matérias graxas; 0,45 mg de sais e pelo menos 250 bactérias...
Aí o bactéria falante aproximou o
rosto do meu e, tremendo, tirou seus óculos, tirou os meus, e ficamos nos
olhando, de pertinho. O bastante para que eu descobrisse que, sem os óculos,
seus olhos eram bonitos e expressivos, azuis e brilhantes. E achei gostoso
aquele calorzinho que envolvia o corpo da gente. Ele beijou a pontinha do meu
nariz, fechei os olhos e senti sua respiração ofegante. Seus lábios tocaram os
meus. Primeiro de leve, depois com mais força, e então nos abraçamos de bocas
coladas, por alguns segundos.
E de repente o ônibus já havia
chegado no ponto final e já tínhamos transposto , juntos, o abismo do primeiro
beijo.
Desci, cheguei em casa, nos beijamos
de novo no portão do prédio, e aí ficamos apaixonados por vária semanas. Até
que o mundo rolou, as luas vieram e voltaram, o tempo se esqueceu do tempo, as
contas de telefone aumentaram, depois diminuíram... e foi ficando nisso.
Normal. Que nem meu primeiro beijo. Mas foi inesquecível!
1ª aula e 2ª aula
1)
Leitura compartilhada
2)
Discussão oral, após a leitura
a)
Quais foram as impressões sobre o
texto?
b)
Quem é o protagonista.
c)
Qual é o foco narrativo e quais as
marcas linguísticas que justificam a sua resposta?
d)
Qual é o possível público alvo desse
conto?
e)
Identifique palavras cujos
significados são desconhecidos e que dificultam o entendimento textual.
Pesquise e anotem as informações colhidas.
3ª aula
3)
Observe a pontuação no texto releia
de maneira silenciosa.
4)
Em voz alta, a sala deverá refazer a
leitura comentando a relação de sentido do uso de determinada pontuação, por
exemplo:
“- Dependendo do beijo, a gente põe
em ação 29 músculos, consome cerca de 12 calorias e acelera o coração de 70
para 150 batidas por minuto. - Aí ele tomou coragem e pegou na minha mão. Mas
continuou salivando seus perdigotos:”
“- A gente também gasta, na saliva, nada menos que
9 mg de água; 0,7 mg de albumina; 0,18 g de substâncias orgânica; 0,711 mg de
matérias graxas; 0,45 mg de sais e pelo menos 250 bactérias...”
Qual foi a intenção do autor atribuir nesse trecho
o uso do ( ponto e vírgula ao invés de vírgula). Observe a diferença de
pontuação com uso de vírgula no parágrafo anterior.
Por que foi usado reticências? E se o autor
escolhesse apenas ponto, teria o mesmo efeito de sentido?
4ª aula
5)
Observe que o trecho abaixo retirado
do conto está sem as pontuações, tentem reorganizá-la e compartilhe com a sala
o resultado, bem como anotem as impressões sobre o sentido atribuído ao texto
confrontando o antes e o depois.
“Desci cheguei em casa nos beijamos
de novo no portão do prédio e aí ficamos apaixonados por vária semanas Até que
o mundo rolou as luas vieram e voltaram o tempo se esqueceu do tempo as contas
de telefone aumentaram depois diminuíram e foi ficando nisso Normal Que nem meu
primeiro beijo Mas foi inesquecível”
Avaliação
5ª aula
6)
Reescreva o texto na perspectiva do
rapaz em que a garota deverá convencê-lo a beijar-lhe. Quais seriam os
argumentos impostos e enumerados pela menina? Use a pontuação para delimitar os
anseios da personagem feminina.
6ª aula
Compartilhe o texto produzido com a
sala, após as leituras, fixem-nas no “Memorial de Textos da turma”.
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