III
Eram cinco horas da manhã e o cortiço acordava, abrindo, não os olhos, mas a sua infinidade de portas e janelas alinhadas.
Um acordar alegre e farto de quem dormiu de uma assentada sete horas de chumbo. Como que se sentiam ainda na indolência de neblina as derradeiras notas da ultima guitarra da noite antecedente, dissolvendo-se à luz loura e tenra da aurora, que nem um suspiro de saudade perdido em terra alheia.
A roupa lavada, que ficara de véspera nos coradouros, umedecia o ar e punha-lhe um farto acre de sabão ordinário. As pedras do chão, esbranquiçadas no lugar da lavagem e em alguns pontos azuladas pelo anil, mostravam uma palidez grisalha e triste, feita de acumulações de espumas secas.
Entretanto, das portas surgiam cabeças congestionadas de sono; ouviam-se amplos bocejos, fortes como o marulhar das ondas; pigarreava-se grosso por toda a parte; começavam as xícaras a tilintar; o cheiro quente do café aquecia, suplantando todos os outros; trocavam-se de janela para janela as primeiras palavras, os bons-dias; reatavam-se conversas interrompidas à noite; a pequenada cá fora traquinava já, e lá dentro das casas vinham choros abafados de crianças que ainda não andam. No confuso rumor que se formava, destacavam-se risos, sons de vozes que altercavam, sem se saber onde, grasnar de marrecos, cantar de galos, cacarejar de galinhas. De alguns quartos saiam mulheres que vinham pendurar cá fora, na parede, a gaiola do papagaio, e os louros, à semelhança dos donos, cumprimentavam-se ruidosamente, espanejando-se à luz nova do dia.
1) “O Cortiço, como aglomerado habitacional é alvo de antropomorfismo constante” ( Sonia Brayner, em A metáfora do corpo no romance naturalista.)
Você concorda com a afirmação sua resposta.
2) Destaque uma passagem em que a caracterização do ambiente fornece ao leitor elementos para a caracterização das figuras humanas.
3) Ao lado de descrições tipicamente naturalistas, temos uma passagem que poderia figurar nos romances de Joaquim M. de Macedo ou de José de Alencar. Transcreva essa passagem.
4) Aponte, no texto acima, exemplos de:
a) Metonímia;
b) Onomatopeia.
5) Nos romances naturalistas, são comuns personagens dominados pelos instintos, “desertando a razão ao rebate dos sentidos”. Mas Aluísio Azevedo vai mais longe: não só os personagens são seres sensitivos; o0 autor transforma também o leitor num ser sensitivo. Leia mais uma vez o quarto parágrafo do texto apresentado e aponte passagens em que nós, leitores, percebemos o cortiço:
a) Pela visão; b) Pela audição; c)Pelo tato; d)Pelo olfato.
6) Sinestesia é uma figura que se caracteriza por estabelecer relações entre os sentidos (apelando-se, por exemplo, para a audição e a visão, simultaneamente). Aponte um caso de sinestesia no quarto parágrafo do texto.
7) Posicione geograficamente o narrador no espaço do cortiço.
8) Destaque a passagem em que o autor “humaniza os animais”.
9) “...o cabelo todo para o alto do casco;...”
“...não se preocupavam em molhar o pelo,...”
“...fossando e fungando contra as palmas da mão.”
A que animais podemos relacionar os termos destacados.
10) Os naturalistas foram acusados de explorar “os aspectos mais sórdidos da sociedade, os ambientes viciosos em que as classes baixas aparecem na consumação de seus delitos instintivos”. Você concorda com essa crítica. Por quê.